Santa Dica é uma personagem histórica pouco conhecida dos brasileiros. Benedita Cipriano Gomes nasceu em 1905 em Lagolândia, distrito de Pirenópolis, em Goiás. Na história oral e em registros na imprensa, Dica aparece “como guerrilheira, como santa, como política e como mãe que acolhe”, nas palavras do historiador Ubirajara Bragança.
A equipe do Caminhos da Reportagem esteve em Lagolândia em uma data especial: na comemoração dos 120 anos de Dica, em 13 de abril. Na ocasião, pôde conhecer e entrevistar familiares, pesquisadores, historiadores e pessoas que já contaram ou desejam contar essa história no cinema.
Dica foi uma líder comunitária e marcou a história do pequeno povoado em Goiás. Diziam que ela fazia milagres, tinha poder de cura e recebia vozes de anjos, por isso o povoado em que vivia foi chamado de República dos Anjos. A historiadora e memorialista Waldetes Aparecida Rezende conta que em três momentos, Dica foi considerada morta, quando criança e por volta dos 17 anos, e depois voltava à vida. Esses acontecimentos fizeram com que ela fosse considerada “santa”, o que atraiu pessoas de vários lugares para aquela região. Seus seguidores eram chamados de “diqueiros”.
“Isso aqui tudo era cheio de doente, cheio de gente que ela pegava na rua. Ela não podia ver uma pessoa abandonada na rua que trazia para cá”, relembra Dolores Mendes Cavalcante, filha de Dica, na casa em que a mãe viveu. “Ela estava falando outros idiomas, estava recebendo as entidades. Um dia eu falei pra ela: ‘Vó Dica, que língua é aquela que você estava conversando? E ela falou: ‘é a língua do além, minha filha’”, conta a neta Raquel de Jesus Cavalcante, que conviveu com a avó até os 16 anos.
O historiador Ubirajara Bragança, que pesquisou sobre Santa Dica na sua tese de doutorado, explica que os movimentos messiânicos no Brasil aconteceram com a chegada da República, como Antônio Conselheiro liderando Canudos, Santa Dica em Lagolândia. “No caso dela me chama atenção porque ela é mulher e, diferentemente de outros líderes carismáticos desse mesmo período, ela assume prerrogativas sacerdotais, batizando, crismando e realizando casamentos”, afirma. Ubirajara relata ainda ter encontrado notícias em jornais ses comparando Santa Dica à Joana d’Arc e dizendo que Getúlio Vargas devia a ela a revolução.
Dica faleceu, aos 65 anos, em 1970, em Goiânia, mas foi sepultada em Lagolândia. Sua história já virou filme. O cineasta uruguaio Carlos Del Pino mora no Brasil há 50 anos e se interessou pela vida de Dica. Ele dirigiu o longa-metragem “A República dos Anjos” e o documentário “Santa Dica do Sertão”.
A produtora executiva de audiovisual Simonia Queiroz planeja um longa-metragem de ficção sobre Santa Dica. “Há um interesse histórico por biografias, principalmente biografias femininas, de histórias que foram se apagando com o tempo ou não são contadas nos livros didáticos”, reforça ela. Também para retomar a memória de Santa Dica, um grupo de jovens fundou há dois anos o Instituto Santa Dica. Segundo a presidente do instituto, Lucília Amaral, existe um plano de criar um memorial com obras sobre Dica.
Waldetes ressalta a necessidade de dedicar à Santa Dica a importância histórica que ela merece e as pessoas não conhecem: “Reconhecer como personagem histórica incontestável tanto aqui do lugar quanto de Goiás e até do próprio Brasil”. Ubirajara também defende que Dica é uma figura que precisa ser resgatada. “As fontes nos ajudam uma aproximação histórica, a gente errar menos sobre ela. Então acredito que a pesquisa não está esgotada”.
Ficha técnica:
Reportagem: Flavia Peixoto
Produção executiva: Cleiton Freitas
Reportagem cinematográfica: André Rodrigo Pacheco
Edição de texto: Flávia Lima
Montagem e finalização: Márcio Stuckert
Arte: Caroline Ramos
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