No tênis, ao desperdiçar o primeiro serviço, tudo bem: tem o segundo. No basquete, o arremesso errado pode virar um rebote ofensivo, com uma nova posse, outra chance de pontuar. No futebol, a finalização imperfeita, às vezes, no rebote, vira uma chance de gol ainda melhor. Mas, e na vida? Existe mesmo segunda chance?
Na Academia Delfim, na Zona Norte do Rio de Janeiro, o esporte não é nenhum desses. As artes marciais dominam aquele espaço. Mas, pensando conceitualmente, talvez o que una todas as modalidades seja a cabeça aberta para quem procura a oportunidade.
O Gabriel Ribeiro, que é o dono, já teve projeto para levar boxes aos presídios do Rio. Há tempo, oferece bolsas para egressos do sistema penitenciário. Às vezes, pode até ser algo mais simples, tipo as portas abertas para ocupar o tempo, aprender algo.
“E isso é o que sonho, né? De fazer uma igualdade e dar um caminho para aqueles que não querem mais voltar atrás, não querem mais voltar naquele ado que foi doloroso e triste para eles e a família deles todos também”, conta Gabriel.
É uma história compartilhada por alguns deles ali. O Uidson Ferreira cumpriu sete anos de pena. Quem um dia foi uma criança agitada, que praticou tudo que é luta, hoje dá aula de boxe e muay thai.
“Posso dizer que o esporte não só me salvou, mas a cada dia ele foi me moldando e, até hoje, sugue lapidando. Tô aqui há 15 anos, a cada dia abraçando essa oportunidade, e espero nunca mais deixar escapar. E evoluir, aprender e rear. E ser um cara melhor para mim mesmo, consequentemente, a sociedade vai ter um cara melhor”, diz Uidson.
O Juan Poty, que ou seis anos no regime fechado, já tá há nove anos livre de qualquer compromisso com a Justiça. Na academia, ele afina as habilidades que usa principalmente no projeto social que ele toca em Nilópolis, na Baixada Fluminense.
“Eu não tive essa assistência na minha juventude e acabei me envolvendo. Me apeguei nesse projeto, e hoje eu consigo possibilitar que os jovens da adolescência também, da minha comunidade, não se envolvam — antes de chegarem perto dos caminhos do mal... Para analisar, para ser um campeão, para viajar, para ganhar um cinturão, uma medalha”, relembra Juan.
O lugar onde hoje está o Poty é o que o Adriano almeja alcançar. Foram quase cinco anos encarcerado. Ainda jovem, aos 28, ele poderia pensar em inúmeras formas de aproveitar o presente, mas preferiu planejar o futuro. Uma carta de emprego foi a porta de saída do sistema. Ele trabalha numa serraria em Paty do Alferes, município a quase 150 km de distância do Rio. Na academia, ele procura se aperfeiçoar para um dia ter o próprio projeto social.
“As pessoas lá dentro, por mais que você não tenha muita coisa para fazer, preferem ficar sentadas, vendo televisão, olhando ou jogando. Eu já preferi tirar o meu tempo me dedicando à leitura, à meditação, ao treinamento básico que eu tinha. Continuava persistindo. E eles acabavam me vendo como exemplo. Eu falei ‘Poxa, eu tô sendo um exemplo para algumas pessoas que estão aqui, lá fora, assim que eu ei, fui exemplo para muitas outras pessoas’. Então, no esporte, eu quero, sim, obter uma renda bacana para ‘mim’, poder fazer as coisas que gosto Mas, muito mais que isso, é ajudar pessoas para sair dessa situação de criminalidade”, sonha Adriano.
Mas, afinal, o que o esporte tem de diferente que permite esse recomeço? Em que ele se difere de outras áreas? Quem sai do cárcere precisa de dinheiro, sim. Mas, mais do que isso, precisa de um norte. A vida já não é a mesma de antes. O esporte é um bom exemplo, mas essas pessoas esperam que não seja a única opção.
“Ali, todo mundo não tá igual, né? Ali ninguém é mais rico que o outro, ali ninguém é mais bonito que o outro. Ali ou eles estão correndo, ou eles estão andando de bicicleta, ou estão no boxe, ou estão fazendo muay thai”, destaca Gabriel.
“Quando eu saí, eu procurei emprego, bati em portas e não consegui. E aí eu pude entender que o esporte... Ele é a luz. Ele é a luz para as pessoas que saem do cárcere. Ele pode transformar, mudar pensamentos, atitudes”, afirma Juan.
“Ou esporte ou é o estudo, né? Pra gente, ou estuda ou pratica esportes. Tem umas que ainda se dão bem no rap também”, ressalta Uidson
“Porque você pode muito bem repensar, entendeu? Se autoanalisar e fazer diferente da próxima vez. Então, deêm mais oportunidades pras pessoas, porque não é porque elas cometeram um erro que elas têm que ser condenadas até o final não”, reforça Adriano.
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